26.6.05
Bata palmas e diga sim!, disse o professor, enquanto escolhia a mesa que iria me sentar para tomar um café. "Todos os dias são iguais", penso comigo mesmo, verificando o cardápio. Peço o de sempre. Um pão na chapa com muita manteiga e café preto, puro. O jornal está dobrado ao meio, e eu passo os olhos displicentemente sobre as notícias, até perceber que as desgraças são sempre as mesmas, o que muda são as datas e os personagens.
O professor conduz as crianças até o centro da praça. Vamos conquistar o mundo!, ouço em volume baixo. Percebo uma mão leve no ombro, é ela.
- Pão na chapa outra vez? - diz, numa tentativa em vão de aliviar o peso do que viria pela frente.
- Sabe que não consigo comer outra coisa essa hora da manhã. Então, qual o motivo do convite?
- Preciso dizer uma coisa muita séria.
Mais gritos vindos da praça. Dessa vez, ouço furiosas palmas e sons infantis desafinados, porém bonitos o suficiente para me tranquilizar. Cinco minutos se passaram. Peço mais uma xícara de café.
- Você sabe como as coisas andam - ela me diz com olhos tristes.
- Eu não sei.
- De todas as pessoas que conheço, você é a que mais gosto. Ao mesmo tempo, é a que mais odeio.
A segunda parte da frase veio carregada de um ódio contraído, e quase pude ouvir seus dentes rangendo.
- Por quê não diz logo? Afinal de contas, eu já sei pra que veio aqui. Não precisa perder seu tempo - digo, de maneira hostil, e me arrependo em seguida.
- É. Você não vai mudar nunca.
Observo a praça. As crianças se retiram pacientemente, obedecendo ao professor e indo em direção à escola, a poucos metros dali. Quando volto meu olhos para a mesa, percebo um vazio enorme, seguido pelo barulho de um motor ligando. O carro se parte. Vejo café derrubado no jornal, enquanto tento refletir o acontecido. Tento pensar que tudo não passou de uma notícia ruim, escrita por um jornalista medíocre na seção Cotidiano, mas não consigo. Deixo o dinheiro sobre a mesa, o jornal ainda lá, e sigo meu caminho de volta para casa.