27.8.05
Nesta noite optei pelo silêncio.
Você estava lá, comigo. Se bem me lembro era um trem indo pra lugar algum e, como de costume, você evitou falar comigo, preferindo dirigir as palavras à outras pessoas, amigos tão seus quanto meus. Fiquei triste. Quando você questionava esse fato, me dava de brinde um sorriso tão acolhedor que me assustava só de pensar em olhá-lo. Esse fato apenas me entristeceu mais, pois entendi que aquilo não passava de um sonho, e que nem nos sonhos eu poderia tê-la, por mais que desejasse.
22.8.05
Ouvi dizer da sua alegria.
Selecionei então meia dúzia de discos, retirei-os da prateleira e coloquei sobre a mesa. Sem razão aparente, escolhi uma ordem e coloquei pra tocar, seguindo as letras de cada música. Foi como uma comemoração solitária, ausente da alegria e dos raios solares do mundo lá fora. Presenteei-me com pequenas lágrimas, como se uma leve chuva de inverno caísse sobre os desprevenidos trabalhadores das ruas de São Paulo. Cansado, adormeci com um encarte qualquer nas mãos, lembrando de suas histórias, agradáveis até mesmo aos ouvidos mais exigentes.
21.8.05
- Pode tocar quatro notas, mas só quatro.
- Tá.
Arrumou o cabelo como de costume e, por mais limitado que fosse tocar apenas quatro notas, conseguiu arrancar de sua guitarra uma combinação das mais bonitas já feitas. Deixou os óculos sobre a mesa, e durante aqueles dois minutos, tudo fez sentido. "É isso", pensei, dizendo em voz inaudível. Pousou a mão sobre meu joelho, como se fôssemos antigos conhecidos, o que logo me deu um enorme e incontrolável frio na barriga.
- Eu toco a flauta doce, vamos fingir que há uma orquestra aqui - tentei despistar.
De fato havia uma orquestra ali. Uma orquestra de minúsculas partículas de água, invisíveis a olho nu. Tocamos durante aproximadamente 40 minutos. Ninguém sabe como eu quis beijá-la durante todo esse tempo. Fingi ser profissional, embora soubesse que minha atitude era sempre a mais infantil de todos que ali se encontravam. Fechei meu olhos, lembrei de cenas que nunca aconteceram e, em segundos, inventei situações que poderiam virar filmes hollywoodianos, certamente vencerores de prêmios nos principais festivais de cinema. Logo voltei a meus pés, ainda com o gosto do beijo imaginário, que há pouco parecia tão real.
17.8.05
Quando me dei conta, já eram 10 e pouco da manhã. Eu estava em um ônibus qualquer, pensando na falta de cor das coisas. De repente, chorei. E senti saudade, porque mesmo os padrões matemáticos tem lacunas e erros que os estudiosos não conseguem explicar. A partir desse momento briguei com meus pensamentos, que me traíam, colocando-me num outro lugar, numa outra realidade que não aquela. Tentei dar de ombros, mas engoli a seco as lembranças e imagens que me perturbavam docemente.
Eu não deveria estar pensando assim. Estava claro para mim que aquela não era a primeira vez, e nem seria a última, mas tentar organizar tudo era complicado demais, então deixei pra lá. Mais uma vez. Segui a melodia, triste e calado, e desisti de dizer alguma coisa. Pra mim e pra você.